Um dos temas discutidos no IV Fórum Inter-religioso de Santo André, que aconteceu no último mês de junho no Teatro Municipal de Santo André, foi a necessidade das religiões se posicionarem de forma fraterna frente aos atuais desafios de gênero. A responsabilidade social das religiões foi o tema central do evento, que contou com representantes de diversas religiões. E, qual é o papel da Umbanda neste cenário?
Antes de falarmos sobre gênero é importante lembrarmos das instruções do Caboclo das Sete Encruzilhadas quando fundou nossa religião: “Amanhã na casa onde meu aparelho mora haverá uma mesa posta e toda e qualquer entidade que queira se manifestar, independente daquilo que haja sido em vida, todos serão ouvidos e nós aprenderemos com aqueles espíritos que souberem mais e ensinaremos aqueles que souberem menos e a nenhum viraremos as costas nem diremos não, pois esta é a vontade do Pai.” Ora, se no nascimento da nossa religião a premissa era que todos os espíritos fossem ouvidos, independentemente do que tenham sido em vida, quem somos nós agora para discriminarmos quem quer que seja?
A discussão sobre gênero é polêmica e cercada de desconhecimentos por grande parte da população, por isso faremos alguns esclarecimentos básicos para início de conversa. Comumente a palavra gênero é entendida como sinônimo de sexo, ou seja, alguém do gênero feminino é uma pessoa do sexo feminino e alguém do gênero masculino é uma pessoa do sexo masculino. Contudo, a amplitude do termo é muito maior e vai além desta compreensão simplista.
A autora Joan Scott (historiadora norte-americana que, na década de 80, direcionou seu trabalho para a história das mulheres, a partir da perspectiva de gênero) nos esclarece que gênero é uma construção social, ou seja, ao longo dos anos de um indivíduo sua identidade de gênero vai se moldando de acordo a cultura que ele está inserido. Deste modo, se um indivíduo nasce em um país onde homens devem usar calças e mulheres saias, ele entende que isso faz parte da sua identidade de gênero e deve se comportar como tal. Na Escócia, por exemplo, os homens vestem uma espécie de saia, o Kilt, em ocasiões especiais. Desta forma, homem usar calça e mulher usar saia, seria um exemplo simples de que isso é uma construção cultural de um povo, por isso uma construção social para um gênero feminino ou masculino. Nesta visão, a construção social vai se moldando ao longo da vida e se ajustando conforme a cultura que o indivíduo está inserido.
A identidade de gênero seria essa “modelagem social” de como se deve ser homem ou mulher. Essa teoria supõe que não existe apenas o ser homem ou mulher mais um espectro maior de possibilidades, como as identidades transgêneros.
Identidade de gênero não deve ser confundida com orientação sexual, sendo esta a preferência sexual do indivíduo que pode ser heterossexual, bissexual ou homossexual. Os transgêneros são indivíduos que nascem com um sexo e sentem-se psicologicamente de outro e assumem, desta forma, identidade social diferente de sua identidade biológica. Não nos cabe aqui nos aprofundar no assunto, nem tampouco julgar se eles estão certos ou errados. O que nos cabe sim é acolher e ouvir a todos que chegarem em nossas casas e a nenhum indivíduo virarmos as costas, cumprindo deste modo, a missão que o Caboclo das Sete Encruzilhadas confiou a todos nós umbandistas. Se um espírito que foi padre em uma vida anterior, pode se apresentar como caboclo, porque um ser humano que possui um sexo masculino, não pode ser respeitado e aceito com um nome social feminino, se ele se sente desta forma internamente? Não podemos esquecer que o espírito em sua forma primária não tem sexo, apenas as impressões que lhe são acumuladas ao longa das reencarnações. Deste modo, todos devem ser respeitados, sem distinção qualquer de cultura, posição social, cor ou orientação sexual.
Muitas discussões polêmicas têm sido levantadas sobre uma suposta “ideologia de gênero” que visaria criar crianças “sem identidade de homem ou mulher” e que eles escolheriam ao longo da vida o que querem ser. Parece-nos que existe muito equívoco nessas alegações e um medo muito grande de que nossa sociedade se transforme numa sociedade gay. Precisamos nos despir dos preconceitos e olharmos com respeito e cautela para temas que muitas vezes nos parece de difícil compreensão. O que temos já comprovado pelas pesquisas científicas é que ser homossexual não é doença, ou algo que se possa “reverter ou curar”. Nem tampouco algo contagioso, muito menos uma escolha. O indivíduo nasce assim. Deste modo, não devemos tentar mudar ninguém, mas no mínimo, respeitar e buscarmos entender melhor o tema, para não permitir que a ignorância, sendo esta a falta de conhecimento sobre algum assunto, possa ser disseminada através do nosso verbo.
A responsabilidade social que nos cabe é sermos multiplicadores da máxima do amor e da caridade, fundamentos essenciais na vida de qualquer umbandista. O mestre Jesus, em seu inefável exemplo de passagem pela terra, nos ensinou a amar sem distinção. E a umbanda como extensão de Seu serviço a humanidade deve, portanto, praticar a frase “amai a Deus sob todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”.
Meu saravá fraterno e até a próxima edição.
Babalaô Ronaldo Linares
Presidente da Federação Umbandista do Grande ABC
Mantenedora do Santuário Nacional da Umbanda – Vale dos Orixás
Julho 2018