Em 1843 surgia a primeira tradução da bíblia cristã em iorubá, feita por Samuel Ajayi Crowther, nigeriano, ex-escravo, bispo da Igreja Anglicana e ferrenho defensor do combate às trevas. Samuel, fascinado pela ideia de assimilação entre as entidades iorubás e os personagens bíblicos, cometeu o erro que marcaria para sempre a história das religiões africanas: Associou Exu ao Diabo. Essa oficialização tomou proporções absurdas e, nos tempos atuais, tornou-se argumento para atrair fiéis e mascarar o preconceito.
Satanás é caracterizado como vilão dos céus e de toda bondade, responsável pela incitação do pecado e da luxúria desmedida; é o rei do inferno. Seu coração, vazio de qualquer sentimento positivo, deseja a corrupção daqueles que considera inferiores e dignos de punição pela simples existência importuna. Orgulhoso, o Diabo jamais se curvaria e serviria a prole humana.
Exu é descrito, em várias de suas lendas, como impiedoso, cruel, de temperamento difícil e trapaceiro, entretanto essas características apenas foram fabricadas para amedrontar os descrentes e as tribos rivais daqueles que o cultuam. Enquanto Orixá, sua verdadeira natureza é robusta, intolerante com injustiças e protetora dos homens; um legítimo defensor daqueles que tem pouco ou nenhum poder.
Em 313, Constantino, imperador romano, publicou o Edito de Milão, no qual era assegurado o fim das perseguições contra os cristãos e, em 391, o Cristianismo transformou-se na religião oficial do Império Romano e iniciou seu processo de expansão. Caso invertêssemos a moeda e fossem os espíritos ancestrais africanos no lugar dos seguidores de Cristo, não há dúvidas que nos dias de hoje veríamos terreiros a cada esquina e uma ou duas igrejas bem escondidas.
A colonização trouxe o inferno à África em nome de Deus, arrancou a vida e a escravizou, regozijou-se no mar de lágrimas dos negros já moribundos e sem terras para onde voltar, banalizou as crenças divergentes apenas pelo prazer de sentir-se superior. Aqueles que orgulhosamente alegavam erradicar o mal foram a personificação perfeita de Satanás.
O Guia Espiritual Exu e o próprio Orixá continuam a acompanhar seus filhos, mesmo que ambos sejam rejeitados, insultados ou ignorados, pois o que os move é o amor profundo por seus frágeis companheiros encarnados que ainda buscam redenção