A coluna Memórias da Umbanda tem o intuito de resgatar a história da Umbanda em São Paulo. São matérias antigas publicadas em diversos canais de mídia impressa, como jornais e revistas devidamente nomeados e datados. As opiniões aqui expressas não refletem de nenhuma maneira as opiniões dos autores e deste jornal.
Neste número apresentamos duas matérias publicadas no Jornal Aruanda, n. 3, de novembro de 1975. Este periódico era dirigido pelo Pai Jamil Rachid.
A primeira matéria é sobre o Olubajé do Obaluiaê, ritual realizado até os dias de hoje no Templo Espiritualista e Confraternização de Umbanda São Benedito, no bairro de Pinheiros, na cidade de São Paulo, dirigido por Pai Jamil Rachid. Em seguida temos a notícia do desencarne do saudoso Félix Nascentes Pinto.
Olubajé do obaluaiê o médico dos pobres
Como já há anos vem realizando, o Templo Espiritualista e Confraternização de Umbanda São Benedito, que agora completa 25 anos de fundação, realizou a sua tradicional festa de Candomblé “Olubajé do Obaluaiê” durante os dias 16, 17 e 18 de agosto deste ano, pelo Dofonitinho de Obaluaiê Jamil Rachid, filho de Tatá Fomotinho de Cachoeira de São Félix na Bahia.
Com a casa completamente lotada, e com a presença de adeptos da seita, vindos de outros Estados, várias cerimônias do ritual foram feitas e vários toques dados em homenagem ao Santo presente, e antes de serem servidas as comidas de Santo, o Babalorixá Acyr Rodrigues (Pai Cici) contou aos presentes a história de Obaluaiê, que é o Orixá da doença, para que todos pudessem compreender melhor a razão daquela festa.
A história de Obaluaiê
Oxum, uma das principais sacerdotisas do culto de Orunmilá, que na terra de Jeje tem o nome de Aziri, vendo aquele homem ultrajado e humilhado, não sabendo ela que ele representava a terra, recolheu-o em uma cabana e tratou dos seus ferimentos, deixando-o completamente curado depois de algum tempo.
Oxum, foi convidada para uma festa na terra do Efá, no Reino de Obatalá, onde todos os Orixás também foram convidados, e ela, ao responder, disse que levaria um convidado especial.
Na festa, esse convidado de Oxum quando chegou, estava coberto de palha e, em determinado momento da festa, quando os Orixás tiveram que tirar os paramentos em honra daquele que predominava e que se chamava Obatalá, perguntaram ao convidado de Oxum quem era ele, e ele disse:
– “Eu me chamo Obaluaiê, eu me chamo Azawani, Awimage, Ototô (a terra), eu chamo Izã”.
Quando os demais perguntaram a ele, porque, com todos os poderes nas mãos, tinha então se submetido a tantas humilhações, batendo de porta em porta moribundo, ele respondeu, e que era para testar a humildade, os Orixás, a bondade de cada um. Em seguida, depois de ser homenageado pelas riquezas que possuía, Obaluaiê presentou Oxum, considerada uma mulher rica e vaidosa, com uma parte da sua fortuna que era incalculável, porque as maiores fortunas estão no seio da terra.
Tempos depois, Obaluaiê, provando não guardar rancor daqueles que lhe haviam negado ajuda, ofereceu uma festa a todos os Orixás, festa essa que foi chamada de Olubajé, onde era servida a feijoada de Ogum, os acarajés de Iansã, o axoxô de Oxóssi, o ado de Oxum, o amalá de Xangô, o amolocum de Oxum, o arroz de Iemanjá, o obô de Oxalá e as comidas dos demais Orixás, sendo então, a partir daí, considerado como um Orixá.
É por esse motivo que todos os anos é dado esse cerimonial em todas as casas de Candomblé, durante o mês de agosto em homenagem ao Orixá chamado de Obaluaiê ou Omulu.
Convém acrescentar ainda, que esse Orixá na terra de Jeje, é também chamado de Xapanã e muitas vezes também de Ewereketo.
Obaluaiê é considerado principalmente em Salvador, o médico dos pobres, pois sendo o Orixá da doença, leva os enfermos que não dispõe de numerários a recorrerem aos centros de Candomblé a fim de se recuperarem das mais variadas enfermidades, inclusive de pessoas mais abastadas, e que ao serem desenganadas pelos médicos, são levadas às mãos desse Orixá que tem ao seu nome, conhecimento de curas tidas por milagrosas.
A Umbanda perde um dirigente
O féretro saiu do Hospital Santa Catarina e dirigiu-se para o Cemitério da Paz, no Morumbi, onde dentro de um ritual umbandista foi enterrado, na presença de inúmeros adeptos da religião, filhos e amigos.
Até poucos dias antes da sua morte, Félix esteve bastante atuante, lutando para resolver os problemas encontrados pela religião que havia abraçado, e aqui vamos publicar, em homenagem póstuma um de seus últimos trabalhos em prol da Umbanda.
Síntese formulada pelo Senhor Félix Nascentes Pinto, por ocasião do Primeiro Seminário Umbandista do Estado de São Paulo, considerando sobre o Batismo, Casamento e Funeral de Umbanda.
Necessita a Umbanda, hoje mais do que nunca, normas básicas que sirvam de orientação e que sejam por todos aceitas e seguidas, para que possam permitir a prática, senão idêntica, ao menos semelhante. As orientações dadas pelos Pretos Velhos e pelos Caboclos, tão sábias e de tão grande profundidade ao longo dos anos, não poderão ficar perdidas dando margem à deturpações feitas por aqueles que insistam em ser diferentes, quando não exclusivos, isto por ignorância do Culto provocado pelo orgulho, não se espelhando na humildade destes mesmos Pretos Velhos, e, esquecendo-se que aprender nunca é demais e que ninguém nasce sabendo. Devem os umbandistas superar este mal que é o orgulho, e procurar instruir-se quanto ao Culto, à liturgia, ao ritual, aprofundando seus conhecimentos, e não somente na parte espiritual como igualmente na parte material, que é onde o praticante de modo geral se aprimora, tendo conhecimentos básicos e elementares, não confundindo Umbanda com os demais cultos também merecedores do nosso respeito.
Sabedor da necessidade do explanado, é que o Superior Órgão de Umbanda do Estado de São Paulo em hora bem aprazada realizou o Primeiro Seminário Umbandista do Estado de São Paulo, com a participação dos mui dignos presidentes e diretores das federações do Estado de São Paulo de fato categorizadas, unificando as práticas dos rituais do Batismo, Casamento e Funeral, vindo destarte ao encontro dos desejos de milhares de adeptos, que a muito aguardavam esta iniciativa.
Desta forma poderemos pensar mais seriamente do que nunca, em uma breve e já tão esperada codificação, que será o elo inquebrantável a unir os umbandistas.
É o que idealizamos.