No final do século XIX os noticiários dos periódicos em São Paulo eram recheados de notícias sensacionalistas. Um prato cheio era a perseguição policial aos cultos mediúnicos e a feitiçaria.

Vejamos um exemplo. O Jornal Província de São Paulo, de 06/03/1879, publicava:

Feiticeiro – Lêmos no “Guaripocaba de Bragança”: Para o lado das Pedras mora um preto velho, tido e havido como tal.

Sua casa é frequentemente procurada por forros e cativos que vão consultar ou receber lições de bruxaria, havendo mesmo reuniões em certas noites com caráter de sessão fatídica. Admira que nesta época haja quem ainda acredite em feitiçarias que, quando muito, podem ser, sob certas fórmulas e aparato, a aprendizagem de saber conhecer drogas nocivas ou plantas venenosas, com o fim de fazer mal à vida dos senhores ou desafetos.

Esses focos, em que se alimenta a credulidade estúpida de pessoas ignorantes e mal intencionadas, devem ser banidos dentre nós. À autoridade compete não permitir tais reuniões, obrigando este embusteiro, explorador de magras algibeiras a assinar termo de bem viver, e no caso de continuar com suas imposturas fazer sobre ele o rigor da lei.

Assim como no Rio de Janeiro, das primeiras décadas do século XX, São Paulo também tinha um número razoável de Terreiros de Macumba e como tal eram perseguidos pela Polícia e pela Imprensa. O Jornal A Folha da Manhã, de 05/11/1927, trazia uma matéria sobre o tema relativa à visita de um repórter desse periódico ao Centro Espírita dos Quinze

Auxiliares de Nosso Senhor Jesus Cristo – Corrente Africana, onde poderemos perceber um relato bem preconceituoso e distorcido do repórter:

Nossos sentidos foram dominados de chofre por três fortes impressões que se transformaram em desagradáveis sensações: um cheiro horrível, característico da pretidão corpórea pouco asseada e a visão de uma mulher acaboclada, desgrenhada e esquálida sentada num banco, no qual estava a perna esquerda, descoberta até acima do joelho. Sentamo-nos a um canto e ficamos concentrados.

Estávamos numa pequena sala. Pelas paredes, quadros de santos e de um mulato de topete pretensioso, tipo perfeito de pretensioso, além de uma tabuleta com o nome do centro.

A um lado, uma mesa rodeada de cadeiras e, sobre ela, uma vela apagada cheia de ornatos. Em frente à mesa, dois grandes bancos corridos. A assistência era diminuta: quatorze pessoas. A sessão já principiara e coisa curiosa – os seus dirigentes e médiuns não se sentaram à mesa: estavam misturados com os assistentes. O presidente do centro era a mulher que percebemos logo à entrada. Meio amodorrada, perna estendida sobre o banco, cabelos revoltos, ela entreabria os lábios para cantarolar alguma coisa muito lânguida, ritmava com um monótono balancear de corpo. Os assistentes a acompanhavam nos cânticos e então, percebemos que entoavam eram versos religiosos.

Um dos médiuns, uma moça de cor, espadaúda e forte, cuja transudação contribuía para a composição de um horrível ambiente, recebeu um espírito familiar da casa. Era este quem receitava e beneficiava os crentes. Um por um, todos os presentes se aninhavam para o médium a fim de receber os passes, rematados por fortes pancadas nas costas. Tivemos grande vontade de nos submetermos também aos passes, mas só a ideia de sentirmos em nossos cabelos e faces aquelas mãos que já tinham passado por várias cabeças de asseio muito hipotético, nos fizeram desistir dessa demonstração de religiosidade.

Antes de se despedir para o espaço, o referido espírito solicitou que tivessem pena do “aparelho”, pois que ele saíra de casa pela manhã, bem cedo, e ainda não voltara a ela, por andar distribuindo o seu auxílio por toda parte. Todos os espíritos, como já dissemos, se manifestavam em termos idênticos, em um cassange capaz de tornar louco o mais inócuo dos gramáticos.

Indo-se embora, o médium dos passes, um e outro, uma negra robusta, que se encontrava na extremidade do nosso banco, posse a bater nervosamente, no assoalho com o tacão do sapato. O nosso companheiro, dirigindo a palavra ao médium, perguntou-lhe por que não esticava a perna. “Não posso”, respondeu o médium. E, impaciente, a presidente explicou que aquilo era sinal de aproximação de um espírito. Daí a pouco, o médium falava, “pu… pu… pu… digui….” A presidente pôs-se então a argumentar com o espírito de modo que demonstrava enorme grau de sua ignorância.

Como o espírito só pronunciava frase de três ou quatro palavras, sempre precedidas do tal “pu… pu… dizium, eu não sei”.

“Porque tu não falas português?” “Pu… pu… dizu, porque eu sou gago”. E a farsa, muito mal representada, continuava.

Felizmente, alguns minutos mais tarde, mais algumas cantilenas, e a missão estava terminada.

PAI JAMIL RACHID

Vivemos em uma época em que, talvez motivados pelas facilidades de comunicação das redes sociais na internet, um parte significativa dos jovens umbandistas não dão o devido valor aos mais velhos; aqueles que pavimentaram o caminho para que hoje possamos praticar livremente nossos cultos religiosos sem as perseguições policiais e tantas outras dificuldades que ocorriam até algumas décadas atrás. Muitos desses jovens pensam que a Umbanda e os Cultos Afro-Brasileiros começaram quando eles nasceram. Isso faz parte do ímpeto da juventude, porém, o devido respeito aos dirigentes espirituais mais experientes é necessário, pois, eles nos ensinam com a sua vivência e sabedoria.

Aprendi isso, desde cedo, quando ainda era um jovem, com meu Pai Espiritual Ronaldo Linares que, por sua vez, havia aprendido com seu Pai Espiritual Joãozinho da Goméia e este com o célebre Jubiabá, retratado no quarto livro de Jorge Amado.

Conheci Pai Jamil Rachid, pela televisão, em 1980, quando ainda davas meus primeiros passos tímidos na Umbanda. Em 1982 realizou-se o Terceiro Congresso Paulista de Umbanda nas dependências da Câmara Municipal de São Paulo, nos dias 19, 24, 25 e 26 de março.

Palestras interessantes fizeram parte da programação: Jamil Rachid abordou a mediunidade na Umbanda; o Dr. Romão Gomes Portão, umbandista e coordenador geral da Secretaria de Segurança Pública falou sobre Polícia e Umbanda; o Procurador da Justiça Militar explanou sobre a Umbanda e os aspectos legais; o Dr. Osmar Silveira discorreu sobre a influência de Zélio de Moraes e Caboclo das Sete Encruzilhadas na formação da Umbanda; Francisco Synésio Filho apresentou o tema Tributo aos Fundadores da Umbanda no Estado de São Paulo; o Comendador Abrumólio Vainer abordou a responsabilidade dos chefes de terreiro na sua missão.

O ponto alto do evento foi a tese sobre a proibição de sacrifícios animais na Umbanda, brilhantemente proferida por Ronaldo Antonio Linares.

Ao final da palestra de Pai Jamil conversei com ele no corredor e discordei de algumas colocações suas na explanação (cheguei mesmo a ficar nervoso). Ele dizia: “Calma papai”. E me ofereceu um exemplar do livro A Força Mágica da Mediunidade na Umbanda, de sua autoria. Foi assim que conheci pessoalmente o nosso querido Pai Jamil.

Jamil Rachid foi iniciado na Umbanda por Euclides Barbosa, o Pai Jaú, em 1948. Dois anos depois fundou o Templo Espiritualista e Confraternização de Umbanda São Benedito, na Rua Teodoro Sampaio, 774 no Bairro de Pinheiros em São Paulo. Em 1955 participou da fundação da União de Tendas Espíritas de Umbanda do Estado de São Paulo.

Em 1960 foi iniciado nos cultos afro-brasileiros, na Nação Jeje Mahi, por Antonio Pinto, Tatá Fomotinho, em São João do Meriti, Rio de Janeiro. Três anos após o seu templo mudou-se para sede própria no bairro de Pinheiros, na Rua Alves Guimarães, 940. Em 1967 assumiu a presidência da União de Tendas Espíritas de Umbanda do Estado de São Paulo.

Em 1970 assumiu a presidência do Superior Órgão de Umbanda do Estado de São Paulo (SOUESP), eleito após o desencarne do General Nelson Braga Moreira. Em 1981 publicou a obra A Força Mágica da Mediunidade na Umbanda.
Os fundadores da A União de Tendas Espíritas de Umbanda do Estado de São Paulo foram: Dr. Luiz Carlos de Moura Accioly, Tenente Eufrásio Firmino Pereira, Benedito Chagas, Abrumólio Vainer, Francisco Sinésio, Jamil Rachid, Fernando Kazitas, Tenente José Vareda e Silva e José Gabriel da Rocha Mina (Juquita). A sede inicial estava localizada na Rua Santa Ifigênia, 176, no centro de São Paulo.

Conforme Rubens Saraceni e Mestre Xaman:

Seu presidente começou a organizar os Terreiros de Umbanda pelas visitas, ocasião em que colocava aos presentes a importância de se ter o terreiro registrado em cartório. Em 1958, com o falecimento do Dr. Accioly, assumiu a presidência a Senhora Almerinda Fraga Abarassu, que muito lutou e trabalhou pela grandeza da Umbanda, na capital e no interior. Em 1967, por problemas de saúde, a Senhora Almerinda, em Assembleia Geral, passou a presidência ao Babalorixá Jamil Rachid.

Ao assumir a presidência da União de Tendas Espíritas de Umbanda do Estado de São Paulo, Pai Jamil Rachid, prometeu realizar a mais importante festa de Ogum do Brasil, na cidade de São Paulo, e cumpriu a promessa. Durante 50 anos de festas de Ogum, 37 delas foram realizadas no Ginásio do Ibirapuera. Atualmente as festas são realizadas ao ar livre no Vale dos Orixás em Juquitiba.

Em 1983, a União de Tendas Espíritas de Umbanda do Brasil e a Associação Paulista de Umbanda, por meio de seus presidentes Jamil Rachid e Demétrio Domingues, assumiram a administração do Vale dos Orixás, passado por seu idealizador, o Senhor João Paulo, que, na época, por problemas jurídicos e pessoais não podia dar continuidade ao projeto.

De acordo com Rubens Saraceni e Mestre Xaman:

Em 1985, expandia-se a União de Tendas Espíritas de Umbanda do Estado de São Paulo, com subsedes em Manaus, sob o comando da Senhora Maria do Carmo Queiróz Rodrigues (Mãe Carminha), em Belém do Pará, sob o comando da Senhora Celina Soares da Costa (Mãe Celina), em Porto Velho, sob o comando do Senhor Carlos Alberto, em São Luiz do Maranhão, ligada ao Tribunal de Ogum, sob o comando do Senhor José Ribamar de Castro. Em Assembleia Geral e por unanimidade, A União passou a chamar-se União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil.

Em 2000, Pai Jamil foi indicado pela Legião da Boa Vontade para representar a Umbanda e os Cultos Afro-Brasileiros na Conferência de Cúpula da Paz Mundial para o Milênio, realizada na sede da ONU. No dia 16 de novembro de 2009, recebeu o título de cidadão Paulistano na Câmara Municipal de São Paulo. Continua em plena atividade sempre lutando pela Umbanda e pelos Cultos Afro-Brasileiros.

Pai Jamil Rachid recebeu as seguintes condecorações:

– Medalha Anchieta – Câmara Municipal de São Paulo.
– Medalha de Honra da Loja Maçônica Gênesis 229.
– Medalha de Honra da Loja Maçônica Mestre Akron 359.
– Medalha do Mérito dos Cavaleiros de São Jorge – Roma, Itália.
– Medalha Ordem Jurídico Social do Brasil.
– Medalha de Membro Honorário da International Association of Orders of Chivalery of New York.

Pai Jamil fundou o importante periódico Aruanda que, circulou mensalmente de 1975 a 1985.

Em 1987 prefaciou o livro Xangô – Inhaçã, de Diamantino Fernandes Trindade e Pai Ronaldo Linares.

Pai Jamil conversa com o General Nelson Braga Moreira e o Dr. Estevão Montebello

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *