MEMÓRIAS DA UMBANDA
PAI JOÃO DE CAMARGO DE SOROCABA
Diamantino Fernandes Trindade
Pai João de Camargo
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Esta é uma história que envolve a atividade de um médium carismático, considerado um santo popular, milagreiro e médico dos pobres, que ajudou muitas pessoas nos seus processos caritativos. Foi uma figura muito importante nos processos espiritualistas afro-brasileiros, retratado no filme Cafundó, com Lázaro Ramos no seu papel.
Seu nome era João de Camargo Barros. Como escravo herdou seu sobrenome do seu antigo dono. Popularmente era conhecido como João de Camargo e mais tarde Nhô João. Nasceu, em 16 de maio de 1858, na fazenda dos Camargo Barros, no município de Sarapuí, na região metropolitana de Sorocaba, no Estado de São Paulo. Era filho de Francisca Paula de Jesus (Nhá Chica), escrava de Luís de Camargo Barros e de pai incógnito. Foi batizado na Igreja Matriz de Nossa senhora das Dores de Sarapuí.
Nhá Chica, mãe de João de Camargo
Cresceu na fazenda onde nasceu e não teve acesso à educação escolar, sendo analfabeto. Nessa fazenda trabalhou como tropeiro. Após a Lei Áurea, oficialmente Lei Imperial nº 3.353, sancionada em 23 de maio de 1888, foi para Sorocaba. Nesta cidade trabalhou como cozinheiro. Saiu duas vezes de Sorocaba e em uma dessas vezes conheceu Escolástica do Espírito Santo Maduro com quem ficou casado cinco anos.
Em 1893, alistou-se como soldado voluntário, no batalhão dos Voluntários Paulistas. Deu baixa em 1895, quando terminou a Revolução Federalista. Retornou a Sorocaba para recomeçar a vida, trabalhou em vários empregos para sobreviver na lavoura e olarias.
Muito jovem começou a receber algumas influências religiosas, das religiões africanas, crenças populares e prática de curandeirismo por intermédio de sua mãe Francisca (Nhá Chica), e do Catolicismo, com sua sinhazinha Ana Teresa de Camargo e também com o Monsenhor João Soares do Amaral através de seus sermões. Essas diversas influências estimularam nele uma fé fundamentada no sincretismo entre os cultos afro-brasileiros e o Catolicismo popular. Em 1897 iniciou-se na trilha do misticismo. Tinha o hábito, que adquiriu com Nhá Chica, de acender velas e rezar ao pé da cruz, nessa época já efetuava algumas curas.
Vejamos mais detalhes nas palavras abalizadas do sociólogo Florestan Fernandes:
João de Camargo nasceu em Sarupuí, bairro de Cocais, onde foi cativo dos Camargo de Barros. Em julho de 1858 foi batizado, tendo como madrinha Nossa Senhora das Dores. Sua mãe era uma negra cativa, um pouco desvairada, chamada Francisca, mais conhecida como “Nhá Chica” e “Tia Chica”, que também fazia algumas práticas de curandeirismo (informações obtidas de Dona Eugênia Marília de Barros, descendente dos Camargo de Barros, que vive em uma casa perto a Igreja, mandada construir por seu primo João de Camargo). Por intermédio de sua “sinhá”, dona Ana Tereza de Camargo, católica praticante e muito devota, foi João iniciado no Catolicismo. Trabalhou nos serviços da casa e depois na lavoura, como cativo, tendo com certeza recebido influências de sua mãe e doutros escravos, nesta época. Depois da libertação, até 1893, quando fez parte do Batalhão de Voluntários Paulistas, que formou ao lado do governo, em Itararé, trabalhou como doméstico em várias famílias. Casou-se, nesta época, com uma mulher branca, do Pilar, e continuou na mesma vida até 1905. Nesta data passou a trabalhar numa olaria. De onde passou, em 1906, já “profetizado”, como diz o povo, construiu a pequena capela em frente à estrada da Água Vermelha. Daí em diante, dedicou-se exclusivamente à sua “missão”. Todavia, em contraste com a versão, que circula entre os crentes, soube o seguinte, o Nhô Dito: “João de Camargo curava antes de ser “profetizado”, desde muito, mas só aqui e ali”. Isso confirma a hipótese da influência de sua mãe e de algum companheiro negro, cativo como ele.
Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas cita:
Outra figura que marcou a vida de João de Camargo foi Alfredinho. Esse menino morreu em um acidente com um cavalo e, como dissemos, a cidade era conhecida pelo envolvimento com a montaria, o que causou grande impacto em todos os habitantes e se transformou em um mito local.
Alfredinho teve uma cruz posta próxima à Estrada da Água Vermelha para rememorar aos transeuntes sua morte. Aí ocorreram os primeiros fenômenos mediúnicos, que considerava ininteligíveis.
O Monsenhor João Soares do Amaral, que muito o ajudou na fase mais difícil da sua vida, depois de desencarnado, passou a ser o seu principal guia espiritual.
Em 1905 quando caminhava pela Estrada da Água Vermelha parou para rezar ao pé da cruz de Alfredinho. Chegando a casa, por volta da meia noite, começou a sentir coisas estranhas como luzes, ventos e outros sinais. Por causa desses fenômenos, as vezes, era considerado louco. Genésio Machado, no livro João Camargo e seus milagres, cita:
João de Camargo foi uma dessas pessoas que, há seu tempo, se revelaram “seres especiais”, dotados de poderes misteriosos e predestinados a cumprir certas missões em seu meio, após terem vivido experiências mitológicas, esotéricas, místicas ou religiosas; há seu tempo, pois, foi que ele veio a saber o que lhe foi anunciado por Rongondongo, quando da visão que teve certa noite, aos pés da cruz do pequeno mártir Alfredinho:
Tu hás de ser
Aquele da nossa cor,
O escolhido para mostrar ao mundo
O poder de Deus
Adilene Cavalheiro explica:
Entre as vozes que ouvia, a mensagem para que parasse de beber era clara, uma vez que, segundo a voz que lhe falava, o álcool o impedia de receber a missão designada, além de lhe estragar o corpo. Em 1906, recebera uma visão ao pé da cruz do Menino Alfredinho que lhe indagava o porquê de sua permanência ainda na bebida e a necessidade de preparar-se para a incumbência recebida. Fugiu para a serra como quem vai a Capela da Penha, mas novamente ouviu uma voz que dizia para que não se perturbasse, devendo voltar e preparar-se a fim de construir uma Igreja no bairro da Água Vermelha, longe da cidade. A partir desse encontro João de Camargo passou praticar a caridade, cura, bem como organizar o espaço a ele designado.
Com a ajuda de familiares e de pessoas simples, João de Camargo ergueu a capela às margens do Córrego da Água Vermelha. Em 1910, a capela foi ampliada. Em 1913, João de Camargo foi processado sob a acusação de pratica de curandeirismo.
Foi absolvido e, para proteger o novo culto de perseguições, fundou em sua capela a Associação Espírita e Beneficente Capela do Senhor do Bonfim, que foi reconhecida como pessoa jurídica em fevereiro de 1921. É um templo de uma religião sincrética, que mistura o Catolicismo popular com os cultos afro-brasileiros. João de Camargo contrariava os padrões estabelecidos e foi preso mais 17 vezes pela prática de curandeirismo, mas sempre tratou seus detratores com doçura.
Seus discípulos diziam que João de Camargo curava várias doenças utilizando apenas óleos e ervas. Pessoas de várias partes do Brasil e do exterior o procuravam em busca de auxílio. Consagrou sua vida aos necessitados. Tornou-se famoso e foi tema de livros, artigos, dissertações de mestrado e do filme Cafundó, estrelado por Lázaro Ramos e dirigido por Clóvis Bueno e Paulo Betti.
Pai João de Camargo desencarnou em 28 de setembro de 1942 em Sorocaba e foi sepultado no Cemitério da Saudade. Após sua morte a Capela do Senhor do Bonfim ficou fechada durante cinco anos por questões judiciais, pois, Escolástica do Espírito Santo Maduro, sua ex-esposa, requereu sua parte no espólio. Seu quarto na capela até hoje é preservado.
A sepultura de João de Camargo é uma réplica da Capela do Senhor do Bonfim, construída em 1948, por João Massa, um de seus devotos, e é visitado por grande número de devotos. A devoção cresceu muito após o seu falecimento e aumentou ainda mais o respeito pelo culto sincrético que ele praticou em vida.
“Figura extremamente carismática e que encontrou na Umbanda a continuidade do trabalho que ele já praticava encarnado” (Douglas Rainho).
Pai João de Camargo
Imagem de gesso na Capela Senhor do Bonfim
Foto de Tarsila Costa de Oliveira
Pai Diamantino no interior da Capela do Senhor do Bonfim
Foto de Tarsila Costa de Oliveira