MACUMBAS E DESPACHOS

Diamantino Fernandes Trindade

MACUMBA EM CURITIBA

Última Hora (PR), n. 2760, 30 de março de 1961

Manuel dos Santos, proprietário da fábrica Monte Castelo, Avenida Anita Garibaldi, s.n. (Abu de Cima) queixou-se ontem à tarde, na Delegacia de Costumes, de que seu ex-funcionário Abrão Pereira por não querer desocupar sua casa localizada nos fundos da fábrica, dava todos os dias sessões de macumba, para prejudicá-lo. O titular daquela especializada designou vários policiais, que, no local, aprenderam duas garruchas, velas arruda e mandingas próprias dessas sessões.
Ida e Nilda Costa e Leoni Pereira, esposa de Abrão, participantes da reunião, foram notificados a comparecer àquela Especializada para serem ouvidos. Foram testemunhas Teresinha Vicente e Dilico José dos Santos, ambos funcionários da fábrica.

SENHORIA FAZIA MACUMBA PARA INQUILINO DESOCUPAR A CASA

Última Hora (PR), n. 117, 14 de outubro de 1961

Bela Werneck alugou a casa situada à Rua Brasílio Itiberé, 2396 – casa 4, para Crispim Curi, há tempos. Agora acha que deve aumentar o aluguel, não tendo Crispim concordado com a majoração, Bel pediu-lhe que deixasse a casa. Crispim também não concordou com isso e Bela Werneck, não vendo outra solução, apelou para a macumba. Meio dia, duas da tarde, meia noite, não importa a hora, lá está Bela, no portão da casa, batendo com uma pedra em um pedaço de fumo em corda, acendendo velas e colocando despachos. Crispim registrou queixa na Delegacia de Costumes. Um agente foi ao local, precisamente na hora em que Bela fazia seus trabalhos. Quis trazer a mulher à DC, mas – como sempre – não tinha viatura à disposição. RP não veio e o superintendente Bastos resolveu mandar um agente de táxi, na companhia do queixoso, o qual deixou na Especializada um pacote contendo velas, charutos, fumo e outros artigos de macumba.

COLOCOU DESPACHO NA CASA DA VIZINHA

Última Hora (PR), n. 123, 21 de outubro de 1961

Maria Elisabete Felício reside à Rua Professor Evaldo Schibler, número 180, apto 4 e tem por vizinha uma mulher de nome Honorina, residente no número 29 da mesma rua. Acontece que Honorina vive a se intrometer na vida de Maria Elisabete, ofendendo-a em virtude da vida noturna que a queixosa exerce e cobiçando avidamente todos os bens que esta adquire ou ganha de presente. Maria Elisabete tem dois filhos menores, uma menina de 11 anos e um menino de um ano e três meses, e tem sido constantemente perseguida pelas “atenções” de Honorina. Ontem, ao chegar a casa, assustou-se ao encontrar, à porta de seu apartamento, um sapo com a boca costurada. Certa de que Honorina recorreu à macumba para prejudicá-la, Maria Elisabete dirigiu-se à Delegacia de Costumes, registrando sua queixa, nervosa e indignada.

POLICIA VASCULHOU TERREIRO DE MACUMBA NA VILA MARIA: PAI DE SANTO PROCESSADO

Última Hora (PR), n. 157, 30 de novembro de 1961

São Paulo – Atendendo a uma denúncia feita pelo Sr. Luís Cardoso (52 anos, casado, Rua Quirino, 100, Vila Maria), agentes da 19a Delegacia de Polícia, rumaram para o citado endereço e após várias escavações, encontraram peças de macumba enterradas em dois aposentos da casa. Os objetos foram encaminhados àquela dependência policial, onde o Delegado Orlando Fernandes determinou a instauração de inquérito.
Segundo declarações do Sr. Cardoso, o indivíduo Flavio ou Flaviano Macedo dos Santos, de qualificação ignorada, funcionário do Banco da Lavoura de Minas Gerais, foi há algum tempo residir em um dos cômodos da moradia. Logo depois, os vizinhos estranharam o grande número de pessoas que passaram a visitar o novo inquilino; todavia, não deram maior importância ao fato. Com o passar dos dias, Flaviano, que tomou maior intimidade com os outros moradores disse-lhe que fazia trabalhos, nos quais as pessoas poderiam pedir o que desejassem, que ele conseguiria. Apesar de algumas criaturas menos avisadas, acreditarem em Flaviano, outras o sabiam ser charlatão. Várias queixas foram apresentadas à Polícia, porém, nenhuma providência foi tomada. Vendo que por meios legais, não conseguia nada, o proprietário da casa de cômodos pediu a Flaviano que desocupasse o aposento, pois uma sua filha deveria ali residir.

Trabalho

Diante do pedido de Luís Cardoso, o macumbeiro arranjou nova moradia nas proximidades do Aeroporto de Congonhas. Antes de deixar a casa, ameaçou todos os seus moradores, alegando que faria um trabalho e todo eles “iriam para trás”. De fato, no dia dois de novembro (finados), Flaviano procedeu a uma escavação no seu quarto e na manhã seguinte, o buraco já não mais existia. Havia sido coberto e cimentado. Dois dias depois, Flaviano se mudou.
Desconfiado de que algo estivesse enterrado na cova feita por Flaviano, Luís Cardoso solicitou a Polícia. Durante as escavações os agentes encontraram: dois colares, dois punhais, um litro de pinga, uma panela de barro, seis imagens de santos, duas ferraduras, seis velas, uma pedra mármore, uma cruz de cimento, dez charutos, uma galinha preta e uma lista com o nome dos moradores das proximidades. Tudo foi apreendido e agora a Polícia está empenhada na captura de Flaviano, a fim de que seja ouvido no inquérito instaurado.

VIZINHOS DENUNCIAM TERREIRO DE MACUMBA: INQUÉRITO NA DC

Última Hora (PR), n. 205, 30 de janeiro de 1962

Moradores de Vila Macedo, no bairro do Corte Branco, solicitaram à Delegacia de Costumes, através de abaixo-assinado, providências contra os proprietários de um terreiro de macumba situado no número 335 da Rua 2, naquela localidade. Valmor Sebastião da Silva, soldado da Polícia Militar em serviço na Penitenciária do Estado, onde desempenha as funções de guarda, é o chefe do terreiro, assessorado por Helena Silva e pela mãe desta, Maria Rodrigues dos Santos. Os onze vizinhos que assinaram a petição solicitam providências policiais sob a alegação de que ao antro de baixo espiritismo da Vila Macedo é ponto de confluência de malandros e desclassificados, palavrões gritados em plena madrugada, imoralidades de toda a espécie, bacanais e música de tambores em alto som perturbam a tranquilidade dos moradores da vila.

Inquérito

Compareceu na Delegacia de Costumes, Tiago Brás Máximo, morador da casa ao lado do terreiro e assinante da petição. Explicando o caso às autoridades policiais, ficou estabelecida a abertura de inquérito. Testemunhas deverão prestar depoimentos oportunamente.

DESPACHO EM CURITIBA PARA CURAR REI PELÉ!

Última Hora (PR), n. 316, 9 de junho de 1962

“Sete Encruzilhadas fazei com que Pelé sare logo. As oitavas de final estão aí e nós precisamos dele lá na frente, junto de Amarildo”. Com essas palavras, ao som rítmico e místico de dezenas de tambores, em uma sessão de macumba em Curitiba, Zé Bafo iniciou o ebó (despacho) para curar o atacante brasileiro. Depois foram executadas várias marcações de ponto, danças e chamamentos de guias, entre eles, Peninha Branca, cujo nome, pronunciado com histérica veneração eletrizava os circunstantes.
Zé Bafo, vestido de branco, charuto na boca, colar de contas no pescoço ria e chorava, chamando o guia da terra dos espíritos (Aruanda). Sobre o congá (altar), entre velas, estava o retrato de Pelé, que recebia passes do pai de santo, completamente atuado pelo seu protetor.
Durante a função agradeceu a Sete Encruzilhadas porque fez Amarildo ficar com o diabo no corpo e acabar com aquela gente.

Terreiro

Centenas de velas iluminavam o terreiro, em cujo centro estava o conga forrado de sal virgem, charutos, caixas de fósforos, fitas vermelhas, azuis e água do mar. A cachaça (marafo) e a cerveja (loira) estavam presentes, como aparato indispensável do ritual. Mulheres, usando pano branco na cabeça, à guisa de véu, com a voz abafada, faziam coro às evocações fortes de Zé do Bafo, cantando uma “lenga” do folclore africano, na qual introduziam o nome de Pelé.
Nos bairros de Juvevé Bacacheri, Portão e Água Verde, nos dias cabalísticos de sexta e quarta feira, tem sido realizados dezenas de despachos, todos visando o rápido restabelecimento do atacante brasileiro.

Delírio

O ritual terminou com um estranho quadro de prostração de todo que dele participaram. Zé do Bafo, ao centro, tremia e dizia com a voz rouca: “Pelé vai sarar e o Brasil vai ganhar”. Nessa altura, o delírio tomou conta da macumba e, da aparente quietude dos corpos prostrados, explodiu a cantoria e a dança frenética em uma espécie de “prece do corpo”, com todos gritando: “Pelé vai sarar”.

OBS: Pelé não se recuperou. Não participou de mais nenhum jogo da Copa do Mundo de 1962, mas o Brasil conquistou o segundo título mundial.

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